O Perfume acompanha-nos na sua essência desde a primeira página em que o abrimos. As páginas entretecem em si o sabor maior da suprema evolução do homem. Os toques e os sinais que influem em nosso espírito atormentado diariamente pelo que os sentidos têm a oferecer encontram aqui, neste livro, a razão do seu espelho literário. A viagem a que nos entregamos é desconcertante e inegável, os ecos dos cheiros encontram a melodia e a textura correcta para se encarcerarem em letras e papel. O contar e o embalar de um tonto pleno de sentido, uma alma que se achega ao mais palpável e concreto a que a vida nos faz chegar. Uma viajem assim se faz em tons neutros de pastel, sombreados pelos doces sentidos, clareados pelo constante roçar de bem-querer, é-nos negado o respirar. Tal como Jean-Baptiste, há uma urgência em nós que nos comanda ao desfecho fatal desta obra. Somos impelidos, contraídos, vagueantes entre o desespero e a esperança, acossados pelas forças de uma vida contraída por expansão da sua compreensão do lá fora. Entre os mortos reina a paz, a fortuna dos nossos olhos, o reino do nosso olfacto, a posse do nosso toque. Lendo, apercebemo-nos da nossa ínfima solitude, da nossa alongada permanência sobre os demais, pontes vazias que somos entre os escombros de nós e o tédio que gostamos de matar lá fora.


Estou a ser incinerado vivo, comido pelos neutrinos que se abatem sobre mim neste dia de verão avassalador. As minhas pupilas rebentam pelas costuras, ficam em êxtase contínuo pelo iluminado mundo lá de fora. Afinal quem é que inventou tamanha intensidade luminosa? Será que Deus precisava de ver as coisas melhor e então criou o Sol com este tipo de incandescência ao rubro? Tanto Sol assim até atrapalha, ficamos vesgos de tanta luz, de tanta cor intensa e tanto brilho e ofusco. É demais. Demais, digo. Tanta luz assim não era vista nesta Terra desde o tempo em que o Farol da Alexandria iluminava os antigos nos seus percursos marítimos entre vagas e chagas. Tanta luz meu Deus! Tanta Luz! É tanta que até nos levanta o ego com tamanha arrogância de iluminação. Sentimo-nos irradiados, impressionados, vinculados a saber o que se passa mais. Sentimos o calor e desde logo esse calor transporta-nos para outro ideal, uma outra forma de ver as coisas, um outro raio de esperança. O Sol cria momentos e cria espaços de verdade, onde o Sol alcança assim alcançam as nossas forças, ele perscruta o horizonte sombrio e traz consigo um potencial de frescura ardente. Com tanto Sol assim, é impossível lamentarmo-nos. É impossível porque a impossibilidade existe numa réstia de sombra debaixo das rochas, sem rochas esse Sol seria total, seria máximo, destruiria tudo à sua passagem. Por isso existem sombras. Por isso existem rochas. Por isso aqui estou, aqui ao pé do Sol.

Pormenor


Era uma vez um Pormenor escondido atrás de um arbusto. Ele estava atento a tudo, fundamentalmente atento a tudo, ele era um personagem curioso, multifacetado, corria atrás de tudo o que visse e não parava de sonhar com tudo, tudo o que lhe viesse à cabeça era tópico de conversa, tudo o que queria era aprender, aprender sempre e mais, muito mais, mais do que o tempo e mais que a realidade, aprender para evidenciar, pôr a descoberto, envolver-se nas maquinações mais ínfimas para assim pôr em evidência as partes realmente importantes, porque a importância das partes é inegável e o seu sentido prático era incapaz de negar-se a sí próprio qualquer vã tentativa reles de descoberta ou invenção. Não. O Pormenor conhece. O Pormenor evidencia-se notoriamente dos demais, mesmo os seus colegas como o Detalhe não conseguem atingir o propósito máximo do Pormenor. Ele é quem realmente conta, o Detalhe só consegue ir um pouco mais à frente, mas ele, ahh ele vai mesmo ao fundo das coisas, ele não se cansa com a iluminação do desconhecido, com a panóplia desenfreada de conceitos inausitados que possam estar mesmo ao virar da esquina, ao virar da página não escrita, ao virar do segundo. Procurar e percorrer, à procura do segredo, ele gosta de estar em volta do segredo, percorrer o círculo na sua incessante procura, porque o segredo sabe, o segredo esconde-se mas é descoberto aos poucos, porque Pormenor é também um segredo, e só os segredos se conhecem.